Estamos prontos para conviver com a diversidade?
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Estamos prontos para conviver com a diversidade?

A palavra acessibilidade está na moda. Normalmente, ela está associada a outra que também está bem presente: deficiente. Mas precisamos fazer uma reflexão sobre o uso delas e as ramificações em torno. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 6,2% dos mais de 200 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, seja física, auditiva, visual ou intelectual. Em 2015, esse grupo social teve um ganho com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei 13.146/15).

Segundo a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a definição de pessoa com deficiência está em seu artigo 1º: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

A mesma pesquisa mostra que a deficiência visual é a primeira colocada com entre os brasileiros pesquisados com 3,6% (7,2 milhões), seguida da física que tem 1,3% (2,6 milhões). A auditiva e a intelectual ocupam o 3º e o 4º lugar com 1,1% (2,2 milhões) e 0,8% (1,6 milhão), respectivamente. Quando olhamos os percentuais parecem baixo, mas ao analisar os números brutos estão falando de milhões de pessoas que são produtivas, em alguns casos, e que trabalham e estudam. No que diz respeito ao mercado de trabalho, a Lei 7853/89 concede todos os direitos trabalhistas aos deficientes e indica que as empresas com mais de cem funcionários devem ter de 2% a 5% do seu quadro portadores de doenças físicas, auditivas, visuais e intelectuais, de 201 a 500 são 3%.

O contexto da pessoa com deficiência nos meios formais de educação são preocupantes. Conforme o IBGE, 61,13% dos deficientes brasileiros com mais de 15 anos não tem grau de instrução ou somente têm o ensino fundamental completo. Outros 14,15% têm ensino fundamental completo ou médio incompleto, 17,67% têm ensino médio completo ou superior completo. Apenas 6,66% conseguiram concluir um curso de ensino superior. Cabe ressaltar que no último ponto está contida a questão de falta de acesso ao transporte público, a falta de acessibilidade nos prédios das universidades e todos os constrangimentos que um deficiente passa para conseguir acessar os locais que frequenta.

Na última semana durante a entrega do Prêmio Multishow, a cantora Anitta deu um passo na representatividade. A funkeira subiu ao palco acompanhada de um corpo de ballet inovador composto por uma bailarino com síndrome de down e um anão, além de uma bailarina com prótese, uma cadeirante e uma gordinha. Não lembro de caso semelhante no Brasil. Afinal, quem nasce deficiente ou fica ao longo da vida tem um estigma: é um “inútil” perante a sociedade. Afirmo isso porque vejo/ouço isso no dia a dia. Quando digo que sou deficiente, o primeiro sentimento das pessoas é o de pena. Devem pensar que por ser deficiente fico em casa o dia todo assistindo tv e comendo bolo de chocolate. Só que não! A minha realidade é outra: faço parte de um grupo de dança, vou à academia todos os dias para fazer reforço muscular, moro sozinha, faço compras para casa, desfilo no carnaval, saio com minhas amigas e depois de oito anos formada em Jornalismo decidi fazer outro curso superior, Direito. Então entra na minha rotina a ida à faculdade à noite.

A realidade brasileira precisa, obrigatoriamente, se adaptar para esse grupo de pessoas, da qual faço parte. O cenário é propício para se debater sobre as questões em torno do tema. Mas para isso será necessário que os pré-conceitos sejam deixados para trás. Uma das minhas bandeiras é a mudança do ícone nas placas que identificam os deficientes. Ele colabora para um discurso que deficiente é só aquele que não caminha, que usa cadeira de rodas ou muletas. Esse seria um bom ponto de partida para esse debate. Claro que ajudaria que as filas preferenciais estivessem sempre a nossa disposição e não das pessoas que podem ficar de pé, como muitas vezes acontece comigo. Aquele “vai ser bem rapidinho” dificulta a minha rotina e a de milhões de brasileiros portadores de deficiência.

Carla Castro é jornalista, pós-graduada em Marketing Digital, acadêmica de Direito, empreendedora, bailarina, carnavalesca, ativista de direitos humanos e budista.

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